O dia está bonito, o sol brilha desanuviado.
Estou triste, ando triste, decidi dar um pequeno passeio, apreciar a cidade, levantar a cabeça, caminhar porque sim, sem qualquer propósito definido.
Não está demasiado quente, é um calor bom, gostoso como diria um brasileiro. Corre uma brisa de "sul". Piso a calçada, outrora testemunha de sorrisos, vou com vontade de exercer o sentido da vista para aquilo que normalmente não vejo, procurando o que ainda não foi visto.
Não consigo ver com clareza os autóctones, vislumbro somente as cores das suas vestes e os sentidos das suas formas. Não se sente a pressa da vida, existe apenas uma aparente acalmia propiciada pela hora do almoço, passos ronceiros, até os carros passam pachorrentos, a cidade parece parar para se transformar em telas pintadas pelo meu olhar...
- Dois homens sentados na sombra do quiosque, agora moderno, de cigarro pendurado na boca, parecem cavaquear, a sua pele rugosa e a barba por fazer, dá ideia de terem tido uma profissão de esforço físico e desgaste rápido ou quem sabe, terem vagueado outrora numa vida perdida, as suas roupas são sujas, velhas e ou feias, não consigo perceber. Passei por eles fazendo apenas um esboço!
Continuei... agora os edifícios, mesmo não olhando directamente, consigo perceber que são mais brancos do que os anteriores, o passeio é mais largo, existe um reflexo mais intenso da luz natural do sol... aqui é mais quente, mas mais ventoso...
- Mais à frente, está a Mulher a assar e vender castanhas, continua no mesmo local desde Outubro, com o guarda sol outrora colorido, brilhante e imaginativo, agora quase não conseguimos distinguir as suas várias tonalidades, está pálido e triste, talvez a história que queira contar seja escura e silenciosa, com imagens a preto e branco e lágrimas que percorrem as suas varetas sem se ver... a mulher acompanha a pintura, a sua cara mostra tristeza, não sei se é o cansaço ou as agruras da vida, no regaço tem um pano ou avental já sujo ou velho, na cabeça um boné mal-amanhado de cor esverdeada... as sombras são projectadas na larga calçada pela luz do sol... por trás vemos os cumes das árvores, que se percebe serem de grande porte, o seu verde, oferece um contraste mais alegre, dá para perceber a iminente chegada da primavera... do lado direito um edifício de outros tempos, que não consigo discernir, apenas sei que tem uma cor vermelha já esvaída, talvez cor-de-rosa, não sei... do lado oposto só vejo um carro de cor clara, parado na passadeira, uma Mãe atravessa a avenida e empurra o carrinho com o seu Filho muito Amado, sinto pela forma dos seus passos que vai feliz... o céu é azul, lindo, abraçado pelos raios do sol...
- Do outro lado da passadeira uma pequena esplanada, os bolos espreitam na vitrina, duas mulheres tomam café descontraídas, acho que falam de trivialidades, as suas malas, uma castanha e outra preta ocupam duas cadeiras laterais, as pernas estão cruzadas uma com calças de ganga e sabrinas pretas e outra de saia preta e saltos altos, talvez pretos, não tenho "memória"... enquanto me aproximo passam três vultos humanos e um cão rafeiro vadio...
- De regresso pelo lado oposto, distingo umas bandeiras a esvoaçar no centro da avenida, os carros que passam parecem estar mais próximos de mim, oiço o grunhir dos seus motores, caminho lentamente agora junto à via, no horizonte percebo uma simetria de vasos e bancos de jardim, as lojas e suas montras acompanham o meu caminhar.
Acendi um cigarro e respirei fundo. Perdi o horizonte, perdi a visão. Voltei à minha tristeza. Veio a mim a tua imagem com os nossos filhos, o teu sorriso, a alegria que sentias sempre que vinha um dia de sol no fim do inverno. Irias querer ver o mar e sentir a areia nos teus pés.
Levar um abraço do vento salgado, de cabeça levantada oferecida ao mar e sentir um beijo molhado, roubado, sentido, por tanto te Amar.
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